quarta-feira, 5 de agosto de 2009

DIAS ZERO

Para o João que era um catraio de escola, terá sido fácil inspirar-se nas tortuosas linhas de Kandinsky para desenhar esta fabulosa cadeira, bastou-lhe substituir o pincel pela caneta de feltro e a mão pela boca. Coisa de nada, apenas a necessidade de usar a cabeça para ser feliz independente da imobilidade física do resto do corpo. Fica o resultado que, segundo a opinião do próprio, está com pouca qualidade... Nem adianta contrariar!
Tela de Kandinsky que inspirou o João
Desenho de uma cadeira feito pelo João, inspirado na tela de Kandinsky exposta acima
I
Poema?
aqui no 3º esquerdo de uma loucura insuficiente
há abelhas sacrificadas por mim
o verso nada tem a ver com a geometria
é um ajustar de contas injusto
para quem guarda a alma no bolso
para quem desconfia
e marca os sentidos com um asterisco
de futuro todas as casas
se abrirão com um canivete
Não venhas ó Poeta com manobras de palavras
curva-te perante as sombras
Ninguém suspeita ó Deus
e as tuas armas são mais brancas e puras

ó Tempo
aqui nada tem ângulos nem minutos
abre as algemas do destino
grita dez lágrimas absurdas
grita e bebe pelo cálice do silêncio

Fecha as tuas asas quentes
ó Pássaro sem limites e sem remorsos
porque nada brota da terra seca

Queima os meus cabelos com amor
aqui a garganta desmedida
o corpo demora a aquecer

Deus
em nenhuma parte se esquece
e o sol é um crime premeditado
por uma abelha azul e louca

II
Chove: vejo a decadência por um fio
azul de teia
onde andas Peixe Cantor
desde o primeiro verso
até à cratera aberta da alma

Que alívio matar o tempo com um acento
esdrúxulo
não ter nada de especial para dizer
nem para decorar com as pontas dos dedos

Em todo caso vou poisar num ramo alto
e nada escapará ao acaso

Desconfio das janelas
dentro das memórias de vento
com pó nos cabelo

Solto as palavras coladas ao céu
da boca mais profunda

Como um peixe esquivo e mal desenhado

Partem-se as sílabas
para fazer nascer os vínculos com a humanidade
que chove dentro destas gotas

Um salitre mais puro cai sobre as minhas
rosas

Não regressarei às páginas das metáforas
mesmo que a lua se vire do avesso

III
Chove: a fragilidade de um nó mudo
e por um momento é possível sorrir
no meio das árvores sentidas
há apenas um reflexo contido
de um triste deslumbramento

O silêncio ao milímetro
dança no espaço aberto de uma esfera

A loucura repete-se palavra por palavra
e não há nenhuma hipótese de entrelaçar
as duas mãos de pedra

O céu muda o seu idioma
e já é possível diminuir
os verbos mais vertiginosos
já é possível chover e gritar

por mais forte que o pensamento caia

8 comentários:

Anônimo disse...

Já há bastante tempo que não passava por aqui.
Hoje calhou, e a pintura do João fez-me arregalar o olho. Gostaria de eu própria a ter feito assim, mesmo com as mãos. Que história é essa de pouca qualidade?!!!

Um beijo para os dois (ou três)!
Mag (isto não está a aceitar o nome/URL)

João Rodrigues disse...

Obrigado pelo seu elogio, mas eu não o mereço porque não fui eu que fiz o desenho. Houve aqui um mal-entendido. Vou explicar.

Quando eu estava no 11º ano, nas aulas de Educação Artística (Desenho e Trabalhos Manuais), deram-nos o seguinte trabalho: Era suposto escolhermos uma tela famosa e construirmos um modelo de uma cadeira inspirado nessa tela. A cadeira podia ser construida em madeira, papier maché, arame, ou uma mistura de tudo. Mas tinha que ter algumas parecenças com a tela escolhida. Como eu não podia construir o modelo devido a eu não poder trabalhar com as mãos, fiz apenas um desenho detalhado da minha cadeira.

Portanto,repito... o desenho do Kandinsky é "mesmo" do KANDINSKY. Este que está neste blog é apenas uma cópia digitalizada. O meu desenho é "só" a cadeira.

:)

Obrigado por visitarem o nosso Blog!

Anônimo disse...

Pois, eu também passei por aqui um tanto à pressa e se calhar não li tudo bem. Mas não me lembro de ter visto o desenho da cadeira que agora vi.
Se ele já lá estava e eu não dei conta, então a minha senilidade está mesmo grave...

De qualquer modo, o desenho da cadeira também está bom, sobretudo dadas as limitações que tem. Acho que a maioria não o saberia fazer com as mãos.
Continue sempre, tem possibilidades de chegar longe!
Um abraço,
Mag

João Rodrigues disse...

Obrigado :) ...

Leu bem. E está certa quando diz que não viu a cadeira. Eu é que modifiquei o post esta tarde.

Regina Graça disse...

Pois é, meu jovem, tens de começar a valorizar os teus talentos... Fizeste bem em explicar bem as coisas, mas gosto mais de ti do que de Kandinsky!!!!!!

João Rodrigues disse...

Obrigado Reg. Também gosto mais de ti do que do Kandinsky.... :D

Graça Pires disse...

"Não venhas ó Poeta com manobras de palavras"
Também acho. Gostei do desenho e do poema.
Beijos.

* hemisfério norte disse...

gostaria de dizer algo tão bonito quanto a cadeira ou o poema
gostaria, as não consigo

bjs
a.