quarta-feira, 30 de abril de 2008

O PROBLEMA

Um monstro voador entrou-me pela janela. Eu estava debruçado sobre a mesa a fazer as contas. O monstro mexia-se atrás de mim enquanto eu acabava de fazer as contas. Não tive ocasião de olhar para ele, porque as contas absorviam toda a minha atenção. A minha mãe entrou e perguntou-me se eu queria um café; respondi-lhe que não tinha tempo, que tinha de acabar as contas sem falta. Tive vontade de lhe pedir que enxotasse o monstro e fechasse a janela, mas estava tão compenetrado nas contas que não disse nada. Além disso, não tenho bem a certeza se, quando a minha mãe entrou, o monstro já cá estava. Mas é provável que não, pois quando o monstro entrou, já eu tinha sobre a mesa uma xícara de café frio que a minha mãe teimara em trazer, mas que eu não bebera por falta de tempo.
E agora o tempo urge; tenho de acabar as contas que, desde que o monstro entrou, não se solucionam nem por nada. O algarismo que escrevia no momento em que ele entrou, foi o último.
Um monstro voador entrou-me pela janela há uns escassos mil anos. Não tive ainda tempo para o ver, mas ele aguarda-me, guloso e negro.
É um monstro que não consigo resolver.


Regina

terça-feira, 22 de abril de 2008

WINDSURF


lentamente a mão
alisando a textura áspera do mar
a mão plana e sem linhas definidas
um olhar interrompido
pelas rochas abertas no chão

tudo é brusco —
paredes redondas de espuma
rasgadas a contra-vento

túnel de espanto e densidade
tão intacto como se fosse de chuva seca
onda gigante de rio magoado

marés fechadas e labirínticas
por onde a minúscula figura
(anjo precipitado e marginal)
navega num equilíbrio único
de sal e esquecimento

mar cortado ao meio
por um deus que caminha sobre as águas



Regina

quarta-feira, 16 de abril de 2008

VALIDADES

Amanhã terei menos um dia de futuro.

Já não crescerei mais em altura,
de hoje em diante
só poderei engordar ou emagrecer
conforme o meu estado de espírito.
Não sei o que me fará melhor
se uma esperança no meu destino
ou um chocolate com avelãs...

Fé e desconfiança
num braço de ferro,
desvantagem de muitos contra ninguém...

A indiferença
entre um café bem forte
e uma filosofia pessimista...

Nunca farei uma viagem à Índia,
nunca me escaparei desta eternidade...

é sempre agora, agora, agora,
agora sê-lo-á sempre,
até zero.

Há verdades. Sim.
Mas tudo o resto é absolutamente falso.

O comércio está prestes a fechar...
Só me falta o açúcar e a liberdade.

As palavras são um produto
para consumir antes do silêncio.




NOTA: Ainda sem o João e sem ilustrações!

quinta-feira, 10 de abril de 2008

ENERGIA EÓLICA

Alto do Marão



roda o vento no cimo do mundo
quatro braços a rodar
quatro destinos cardeais
de gigantes subitamente perfeitos
numa súbita solidão
tão intensa como o pôr do sol








Este é um blog colectivo... Mas de momento, o João está ocupado com actividades académicas muito importantes! Faço esta postagem sozinha para não quebrar o ritmo.